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Burqas, Burquinis, proibições e opressões

A Europa anda há algum tempo em luta contra o vestuário das mulheres muçulmanas.

Algumas das proibições, como a Burqa e o Niqab têm razões válidas. Ao esconder a cara impedem a identificação da pessoa em situações legais, por exemplo. Seja por uma multa de trânsito ou para viajar de avião, a identificação facial é algo a que ninguém tem o direito de se esquivar.

Para além disso, em certas profissões, nomeadamente nos ramos da saúde ou quando se tem contacto com o público em geral, a cara é algo importante nas relações interpessoais. Nós lemos as expressões faciais e é isso que nos permite sentir empatia, confiança e demais emoções que nos permitem relacionar com o outro. Ao tapar a cara, a identidade e humanidade desaparecem. É por isso que os ladrões escondem a cara, para não serem reconhecidos.

O problema da burqa e niqab não se prende com cultura, expressão pessoal ou liberdade religiosa. A imposição da cara tapada para as mulheres muçulmanas é feita com o objectivo de desumanizar a pessoa dentro do fato e de a controlar. É um sà­mbolo de opressão das mulheres numa visão restrita, extrema, mas cada vez mais prevalente, de uma religião, e uma imposição recente em alguns casos. É algo imposto por um grupo de homens controladores que querem manter as mulheres subjugadas, passivas, sem educação. Nesse sentido também eu sou contra esse vestuário.

No entanto, andam agora a banir e proibir coisas que vão muito além da questão da cara tapada, nomeadamente aquilo que se começou a designar por “burquinis”, vestuário que as mulheres de religião islâmica usam para tapar o corpo quando vão à  praia.

As opiniões estão divididas, como é costume nestes assuntos. Há os que acham muito bem porque acreditam que quem vem de fora tem de se adaptar aos costumes locais, que se uma mulher europeia for a um paà­s islâmico é forçada a tapar-se, logo na Europa as outras que se destapem.

No campo oposto há os defensores da liberdade que acham que cada um se deve vestir como entende e ninguém tem nada a dizer, muito menos a proibir, e que um burquini não é muito diferente dos fatos de surf.

De facto, a partir do momento em que qualquer vestimenta não tapa o rosto, qual é o mal? Vamos agora começar a proibir tudo só porque sim?

Tendo já estabelecido que as regras que obrigam as mulheres a cobrir-se são uma imposição social e religiosa que discrimina as mulheres, será que esta nova proibição faz sentido?

Eu acho que não. Não faz sentido porque estas mulheres não têm poder de escolha. Se algumas podem optar por mostrar ou esconder a cara, para cumprirem as regras impostas pela religião, o resto do corpo tem obrigatoriamente de estar escondido. Elas não podem deixar este vestuário em casa, vestir um bikini e ir para a praia mostrar as pernas. Se se vestem assim é porque são obrigadas a isso e ao proibir o único vestuário que podem usar, estão a tirar-lhes ainda mais liberdades. Elas simplesmente deixam de poder ir à  praia ou sair à  rua.

Estas proibições só ajudam os opressores e prejudicam as mulheres. Proibir os sà­mbolos de opressão, sem fazer nada quanto ao problema que lhes deu origem, não melhora nada. É como pintar madeira podre. O podre não desaparece só porque deixa de se ver.

Há quem diga que nem todas as mulheres se vestem assim porque são obrigadas. Algumas é porque querem. É possível. Sendo esse o caso, nada contra. Assim como há pessoas que fazem piercings em sí­tios altamente dolorosos. Eu não fazia, mas estão no seu direito.

O que me preocupa são as mulheres sem poder de escolha. A burka em particular deve ser horrà­vel de usar. Não acredito que alguém se vista assim porque gosta. Se o faz é porque, no mà­nimo foi ensinada que o deve fazer e que, se não se vestir dessa forma, se arrisca a ser atacada, violada, morta, e que ainda por cima a culpa será dela por não se proteger.

Qualquer mulher que use mini-saia sabe que não pode andar na rua sem ser assediada por homens que parecem achar que comentar, assobiar e, no geral intimidar as mulheres é uma prática perfeitamente aceitável. Continuamos a viver numa sociedade em que se culpa a và­tima, em que se pergunta a uma mulher violada o que é que tinha vestido, como se isso fizesse qualquer diferença e os homens fossem simplesmente uns palermas incapazes de se controlar.

Se tivessem crescido num ambiente em que a própria famà­lia lhes dizia que a culpa era vossa porque não andavam com o corpo todo tapado, faziam o quê? Eu provavelmente não quereria correr o risco. Nesse sentido, e se as mulheres se sentem mais seguras vestindo-se assim, por mim deviam de facto ter a liberdade de o fazer.

Independentemente disso, não há grande diferença entre o vestuário de uma mulher muçulmana (desde que não tape a cara) e a indumentária de uma freira católica, por exemplo. Porque é que uma há-de ser banida e a outra não? São ambas usadas pelas mesmas razões – para tapar qualquer parte do corpo que possa ser considerada atraente para evitar a sua sexualização.

Como já disse e volto a repetir, discutir a questão do vestuário é atirar areia para os olhos. É mais sobre eliminar os sà­mbolos de uma situação que põe algumas pessoas desconfortáveis para não ser preciso encarar o facto de que existem grande injustiças a decorrer mesmo à  nossa frente. Proà­be-se para se poder esquecer o problema. à‰, mais uma vez, culpar a và­tima enquanto os verdadeiros agressores nem entram na discussão. Só fazendo algo que doa aos homens que impõe estas regras é que as coisas começam finalmente a mudar. Infelizmente isso não é tão fácil como proibir peças de vestuário.

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