Artesanato Joalharia Tutorials

Purificar prata com ácido nà­trico

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Há algum tempo, quando estava a fundir prata, deixei acidentalmente cair parte do metal incandescente em cima de uma chapa de alumà­nio. Como é óbvio, a prata fundiu-se imediatamente com o alumà­nio, estragando completamente a prata.

Em circunstâncias normais a maioria das pessoas teria dito “Oh! Que chatice!” e deitado fora o metal estragado, mas eu tenho dificuldade em aceitar situações em que faço asneira e não desisto se houver alguma esperança de resolver o problema.

Com persistência, a internet salva-nos muitas vezes o dia, graças à  quantidade de informação que tantas pessoas simpáticas se dão ao trabalho de disponibilizar. É uma das razões pelas quais escrevo tutorials – porque o facto de outros o terem feito antes já me ajudou tantas vezes, que se puder ajudar alguém de volta, sinto que é meu dever fazê-lo.

Descobri então que era possível resolver o meu problema dissolvendo a prata em ácido nà­trico porque este dissolve a prata mas não o alumà­nio. Perfeito! Conseguia assim voltar a separar os dois metais.

Encontrar ácido nà­trico foi o passo seguinte. Consegui descobri-lo à  venda numa drogaria mas só tinham garrafões de dois litros. Considerando que isto era algo para fazer uma só vez e que o ácido é vendido num nà­vel de pureza bastante grande, não quis arriscar ter uma substância tão perigosa em casa, especialmente nessas quantidades.
Ao explicar o meu problema no atelier, um dos meus colegas, que é professor de quà­mica, ofereceu-se para me arranjar uma pequena quantidade do ácido, já bastante diluà­do, só para poder fazer a experiência.
Li tudo o que encontrei sobre as precauções a ter e devo agora dizer que não aconselho nem encorajo ninguém a fazer esta experiência em casa. A dissolução da prata em ácido nà­trico causa gazes tóxicos que não devem ser respirados e o ácido é corrosivo para a pele, roupa, etc, e não deve de forma alguma entrar em contacto com os olhos ou vias respiratórias. Se alguém quiser mesmo assim fazer a experiência, por favor tenham o cuidado de o fazer ao ar livre e com a vestimenta protectora adequada – avental para ácido, luvas para ácido, máscara e óculos de protecção. Se algo correr mal, não me culpem a mim. Foram avisados dos riscos.

Primeiro vesti o material de protecção: macacão por cima da roupa, livas para ácido, máscara com filtro para gazes e óculos de protecção. Senti-me um bocado como o Mr. White :)
Primeiro vesti o material de protecção: macacão por cima da roupa, luvas para ácido, máscara com filtro para gazes e óculos de protecção. Senti-me um bocado como o Mr. White 🙂

Fui para o terraço e levei um frasco com o ácido (numa concentração baixinha – o ácido muito puro, por estranho que pareça, é menos eficaz) e outro frasco maior com água quente. O processo de dissolução da prata funciona melhor se o ácido for aquecido. Como não tinha forma de o aquecer directamente, usei o método do banho maria: aqueci água numa chaleira, deitei-a num frasco largo e coloquei o frasco do ácido, mais fino, lá dentro. O calor da água que rodeia o frasco de dentro acaba por aquecer o ácido o suficiente para acelerar o processo.

Não tenho fotos desta primeira fase porque manter as luvas e tentar não respirar os gazes tóxicos preocupava-me mais do que tirar fotos. Se estão curiosos sobre o que acontece, podem ver este và­deo.
Quando a prata estava toda dissolvida, diluà­ ainda mais o ácido com água destilada e filtrei a solução utilizando um filtro de café. Os restos de alumà­nio ficaram no filtro e sobrou um frasco com nitrato de prata. Como a prata não era pura, mas sim uma liga com cobre, o là­quido final ficou azul em vez de transparente, mas para o que eu queria, isso era irrelevante.

A fase seguinte era recuperar a prata suspensa na solução, Para tal bastou introduzir um tubo de cobre no frasco com o nitrato de prata. A prata foi substituà­da por cobre na solução e foi caindo para o fundo, em estado sólido. Este é um processo que pode demorar algumas horas.
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O pó cinzento no fundo do frasco é a prata que se foi precipitando com a introdução do cobre na solução.
O pó cinzento no fundo do frasco é a prata que se foi precipitando com a introdução do cobre na solução.
Quando já não via mais prata a cair ao fundo, filtrei novamente a solução e fiquei com uma lama cinzenta no filtro. Esta "lama" era a minha prata.
Quando já não via mais prata a cair ao fundo, filtrei novamente a solução e fiquei com uma lama cinzenta no filtro. Esta “lama” era a minha prata.

Ainda voltei a introduzir o tubo de cobre na solução e deixei ficar de um dia para o outro, para ter a certeza que tinha recuperado toda a prata possível.

Entretanto deixei secar a prata recuperada que se transformou num fino pó.
Entretanto deixei secar a prata recuperada que se transformou num fino pó.
Passei esse pó para o carvão para fundir a prata.
Passei esse pó para o carvão para fundir a prata.
Com o maçarico aqueci o pó até a prata fundir completamente. quando estava em estado là­quido, deitei-a para o molde, chamado rilheira
Com o maçarico aqueci o pó até a prata fundir completamente. quando estava em estado là­quido, deitei-a para o molde, chamado rilheira
Um pequeno lingote de prata pura recuperada
Um pequeno lingote de prata pura recuperada
Repeti o processo de recuperação da prata as vezes necessárias até ter toda a prata que consegui extrair do ácido. No final tinha cerca de 25 gramas de prata pura, pronta a fundir com cobre para fazer a liga.
Repeti o processo de recuperação da prata as vezes necessárias até ter toda a prata que consegui extrair do ácido. No final tinha cerca de 25 gramas de prata pura, pronta a fundir com cobre para fazer a liga.

No final anulei o ácido com bicarbonato de sódio. É mais um passo que requer muito cuidado porque a reacção quà­mica resultante causa vapores que não convém respirar e forma uma espuma que aumenta brutalmente o volume do là­quido. O ácido deve ser deitado em quantidades à­nfimas de cada vez sobre o bicarbonato de sódio, num recipiente bastante grande para evitar que venha tudo por fora.
Quando o ácido está inerte (quando deixa de borbulhar) já se pode deitar fora sem medo de danificar a canalização.

Mais uma vez, não aconselho a ninguém esta experiência mas achei que podia pelo menos partilhar a informação que adquiri para o caso de alguém vir a precisar. Se forem trabalhar com ácidos ou outros materiais perigosos, por favor tenham os cuidados necessários. Um salpico de ácido pode até parecer inofensivo e uns dias depois está um buraco enorme na camisola ou uma mancha preta na mesa. Mesmo diluà­do, o efeito é poderoso. Pode é demorar mais tempo.

Silver purification with nitric acid

Some time ago, while casting silver, I accidentally dripped some of the molten metal onto a sheet of aluminium. As expected, the silver fused with the aluminium and was useless.
In normal circumstances most people would go “oh well, bad luck!” and toss out the metal, but I have a hard time accepting situations where I mess up and I won’t quit if there’s the slightest chance of fixing the problem.

With persistence, often the internet will save the day, thanks to the wide range of information so many kind people bother to share. It’s one of the reasons I write tutorials – because so many others have helped me, if I can help back even one person, I feel it’s my duty to do so.
I soon found out my problem could be solved by dissolving the silver in nitric acid because this acid will eat away the silver but not the aluminium. Perfect! By using this process I was able to separate these two metals once again.

Finding the nitric acid was the next step. I found it on sale at a local drugstore but they only sold the stuff in two litre bottles. Since this was meant to be a one time thing and that the acid is sold with little dilution, I didn’t want to risk having such a dangerous substance at home, especially in such quantity.
I explained my problem to some people at the jewellery studio where we have our classes and one of my colleagues, who is a chemistry teacher, offered to get me a small quantity of the acid, so I could experiment.

I read everything I could find on the precautions to take while working with acid and I must say that I don’t encourage anyone to do this at home. Dissolving silver in nitric acid emits toxic gases that should not be inhaled and the acid will burn your skin, clothes, etc, and it should not, under any circumstance, get in contact with your eyes or respiratory tract. If anyone still wants to try this out, please be careful, do it outdoors and with the proper protective gear – acid-proof rubber apron, acid-proof gloves, gas mask and protection goggles.. If something goes wrong, don’t blame me. You have been warned.

I put on my protective gear: overalls, acid-proof gloves, gas mask and googles. I felt a little like Mr. White :)
I put on my protective gear: overalls, acid-proof gloves, gas mask and googles. I felt a little like Mr. White 🙂

I took my acid jar outside along with a larger jar filled with hot water. The acid must be diluted. If it’s too pure it will cause the silver to oxidise and it won’t work as well, oddly enough. The process works faster if the acid is warm. As I didn’t have a way to heat the acid directly, I placed the acid jar inside the larger jar filled with hot water (only fill the water jar about two thirds up or it will overflow). The hot water will warm up the acid and that’s enough to speed up the chemical reaction.
I don’t have pictures of this initial stage because I was too concerned with keeping my gloves on and not breathing in the toxic fumes to take any pictures. If you’re curious about what happens, you can watch this video.

Once the silver was dissolved, I diluted the acid further and used a coffee filter to remove impurities from the solution. The aluminium bits were left behind in the filter and I was left with a bottle filled with silver nitrate. Since it wasn’t pure silver but silver mixed with copper, the copper turned the liquid blue. This was fine for what I needed.
The next stage consisted in recovering the silver suspended in the solution. All it took was inserting a copper tube into the jar. The copper replaced the silver in the solution and the silver flaked off to the bottom of the jar in solid form. This process can take a few hours but it’s fun to watch.
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The grey dust at the bottom of the jar is the silver precipitate that occurred when I placed the copper tube into the solution.
The grey dust at the bottom of the jar is the silver precipitate that occurred when I placed the copper tube into the solution.
When I couldn't see any more silver falling to the bottom, I filtered the solution again and was left with grey mud in the filter. This mud was my silver.
When I couldn’t see any more silver falling to the bottom, I filtered the solution again and was left with grey mud in the filter. This mud was my silver.

I placed the copper tube into the solution once again and left it overnight to be sure I had recovered all the silver.

In the meantime I allowed the silver mud to dry and it turned into a fine grey dust.
In the meantime I allowed the silver mud to dry and it turned into a fine grey dust.
I placed my grey silver dust on a coal block to melt it.
I placed my grey silver dust on a coal block to melt it.
I heated the dust with the torch until it melted completely. Once it was liquid I poured it into the ingot mould.
I heated the dust with the torch until it melted completely. Once it was liquid I poured it into the ingot mould.
A small ingot made from recovered fine silver.
A small ingot made from recovered fine silver.
I repeated the process as many times as necessary to recover all the silver I managed to filter out of the acid. By the end I had 25 grams of fine silver, ready to bind with copper once again to produce sterling silver.
I repeated the process as many times as necessary to recover all the silver I managed to filter out of the acid. By the end I had 25 grams of fine silver, ready to bind with copper once again to produce sterling silver.

Once the whole process was done I neutralised the acid with baking soda. It’s another step that requires great care because it triggers another chemical reaction that releases unhealthy fumes and causes foam that can overflow. The acid should be poured into a large container, little by little, over the baking soda, and not the other way around.
When the acid stops bubbling it means that it’s been neutralised and you can throw it away safely.
Once again, I stress the fact that I don’t advise anyone to try this at home, but I thought I should share the information anyway in case someone is in desperate need of it. If you work with acid or any dangerous chemicals, please be careful. A little splash of even very diluted acid may seem harmless at first and a few days later there’s a huge hole in your sweater or a large black spot on your kitchen table. The diluted version is still powerful, it just takes longer.

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11 Comments

  1. Excelente texto! Didático e prático, porém permita-me observar que não é necessário aquecer o ácido, pois o mesmo será super aquecido com a reação química.
    Parabéns!

    1. O aquecimento do ácido é apenas para não demorar tanto tempo.

  2. Muito bem explicado! Obrigada.

  3. Wagner Ribeiro Aguiar says:

    o po branco resulta nitrato de prata???
    Presiso de nitrato de prata para uma experiência.

    1. O pó cinzento do fim é a prata pura. O nitrato de prata é o líquido antes da precipitação mas neste caso não é puro porque dissolvi prata que continha mistura de cobre (por isso é que ficou azulado).
      Para uma experiência química, o nivel de pureza do nitrato de prata deve ter de ser mais elevado. Se quiser experimentar, porém, penso que basta deixar evaporar a água, em vez de incluir o cobre para precipitar a prata, e obtém os cristais de nitrato de prata.

      1. Wagner Ribeiro Aguiar says:

        Obrigado a resposta. Eu to presizando muito aprender a obiter nitrato de prata o mais puro possivel. Estou estudando mais ainda achei nada.

  4. gabriel santa helena says:

    na hora que o nitrato de prata gruda no cobre é usado outro produto químico ou é só a água destilada e o nítrico, e quantos ml de água e quantos ml de nítrico pra fazer a composição certa?

    1. Não é usado mais nenhum químico. O cobre substitui a prata na solução. Ao introduzir o cobre, a prata precipita.
      O ácido nitrico é usado bastante diluído – a cerca de 30% para começar e depois ainda mais diluído. Não é necessária uma percentagem exacta de diluição para a experiência funcionar.

  5. Isabela Delovo Crema says:

    Olá ! Eu tenho um espelho que foi danificado por conta que ficou na chuva.. então queria aproveitar o vidro e remover a parte Prata . O Ácido Nítrico resolve!? Ou será que tem outra solução para isso?
    O espelho eh muito Grande !

    1. O ácido nítrico não é ideal para esse fim, até porque as traseiras do espelho são geralmente tratadas para resistir a ácidos e nem sempre a película prateada é verdadeiramente prata. O ideal será raspar a película com uma espátula plástica.

  6. Uma forma mais rápida de decantar a prata seria sal ou ácido muriático. Após o processo com nítrico, dilua em uma boa quantidade de água e em seguida dilua um pacote de sal ou 1 litro de muriático.
    Assim você decanta em 30 minutos.

    Se quiser obter o máximo do material para que não haja perdas na hora de fundir, recomendo metalizar a prata decantada por esse método com pó de Bombril.
    Assim você consegue o máximo do seu material em pouquíssimo tempo e com qualidade.

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