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Artesanato e indústria: apelo à  protecção do conhecimento técnico e artà­stico

Aquilo que as pessoas conseguem produzir tecnicamente com ferramentas rudimentares, jeitinho e muita paciência é espantoso. Se nos dermos ao trabalho de perceber o tempo, trabalho e dedicação que uma peça artesanal leva, ficamos boquiabertos. E depois vem alguém que diz “isto é de facto muito giro e as pessoas compram”. Ligam-se as máquinas, produz-se à s centenas e retira-se completamente a alma e o valor daquela primeira peça feita com todo o cuidado e amor.

A revolução industrial, que começou mais ou menos a meio do século 18 transformou de forma permanente a maneira como vemos a produção de objectos na sociedade ocidental. O facto de certas tarefas repetitivas poderem ser mecanizadas implicava maior rapidez de produção. O custo inicial do equipamento compensava pelo facto de baixar o custo da produção de cada item a médio prazo. Para os patrões isso é sem dúvida uma vantagem – mais produto, em menos tempo com menor custo. Para o resto da população é que não me parece que seja inteiramente a coisa fabulosa que nos querem fazer crer.

Enquanto a evolução tecnológica é indiscutivelmente um grande avanço, tem-se vindo a perder algo importante a favor do lucro. Esta mudança foi o princà­pio do fim para o artesão especializado que deixou de conseguir competir com a rapidez e quantidade produzidas mecanicamente. Não que os artesãos trabalhassem exclusivamente por amor à  arte. Tal como toda a gente, trabalhavam para comer, mas algumas profissões que requeriam um conhecimento técnico muito especà­fico têm vindo a extinguir-se ao longo das décadas e séculos seguintes e até os próprios operadores fabris foram eventualmente substituà­dos por máquinas automáticas que trabalham mais horas sem nunca se cansar ou ficar doentes.

E quem ganha com tudo isto? Só mesmo os produtores e comerciantes destes produtos produzidos em série. A redução dos custos converte-se em mais lucro e não necessariamente em preços mais baixos. Muito pelo contrário, como todos sabemos, os preços sobem constantemente. Os produtos de preço mais baixo têm geralmente uma falta de qualidade evidente.

Os postos de trabalho são cada vez menos e os verdadeiros conhecedores das artes e ofà­cios perdem clientes por não conseguir competir com a enxurrada de produtos, muitas vezes com qualidade e acabamentos inferiores, que inundam o mercado.

Compreendo que para o consumidor comum o método de fabricação seja irrelevante, mas tenho pena ao ver desaparecer conhecimento. As pequenas oficinas familiares têm tendência a desaparecer, e com elas vai-se também o conhecimento de técnicas e truques que muito dificilmente iremos reaver. Faz-me lembrar a ruptura artà­stica que existiu durante a idade média em que se perdeu completamente o conhecimento de escultura da figura humana que a cultura grega tinha levado ao auge. Por motivos diferentes, como é óbvio, mas o resultado prático é o mesmo.

A nossa sociedade actual está demasiado focada no valor monetário dos objectos e ignora aquilo que mais nos destaca das restantes espécies animais – a criação artà­stica. O mercado da arte há muito que vive da especulação sobre o valor das obras, ignorando muitas vezes a estética das mesmas e o gosto pessoal. Um quadro tem valor não necessariamente pela qualidade da obra ou o tema, mas pela assinatura do artista, o facto de ser uma obra única. Parece-me que a parte importante está a ser completamente varrida da equação.

É claro que o dinheiro é importante. É o que nos permite sobreviver, obter os bens essenciais e alguns que servem apenas para nos dar prazer. Mas a acumulação excessiva de dinheiro como objectivo de vida tornou-se um cancro que consome tudo no seu caminho.

Da mesma forma como uma sopa de pacote não tem o mesmo sabor que outra feita em casa, perde-se sabor quando passamos a depender exclusivamente da mecanização para produzir objectos, sejam eles práticos ou decorativos. Não estou, obviamente, a dizer que se deva acabar com a indústria. Penso apenas que a educação e a sensibilização da população para aquilo que o ser humano é capaz de produzir com as suas próprias mãos e meia dúzia de ferramentas e um acalmar da tendência gananciosa das grandes empresas poderia dar origem a uma sociedade em que o artesanato e a indústria podem coexistir sem se atropelar, dando uma maior escolha ao consumidor, que é quem todos os produtores deveriam servir.

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