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Velhice

Durante muito tempo tive dificuldade em compreender o que dá origem à s crises de meia idade. É claro que a noção, de uma forma abstracta, não me era estranha, mas não compreendia qual era precisamente o mecanismo que accionava a coisa. Agora que estou a poucos meses de completar 40 anos acho que começo a perceber melhor.

Recentemente aconteceram duas ou três coisas que me fizeram reparar no facto de estar a envelhecer. Uma delas foi a dificuldade cada vez maior de ver bem ao perto. Eu sempre vi mal ao longe. Muito mal. Usei óculos desde a primária e depois lentes de contacto. Tenho mais de 5 dioptrias e o mundo sem as minhas lentes não passa de um borrão colorido.

No entanto, à  distancia de um palmo, sempre vi lindamente. Aliás, se tirar as lentes, a minha visão é absolutamente perfeita a três dedos de distância e até um bocadinho mais. Infelizmente, com as lentes, já comecei a ter de afastar as coisas para conseguir ler as letras miudinhas. No fim de semana estava a pintar um desenho e não conseguia focar o olho da figura para acertar com o marcador no pontinho desejado. Para quem faz tanto trabalho de pormenor, especialmente ao nà­vel da bijutaria, é bastante irritante ter de depender das lentes de aumento quando antes via tudo claramente sem qualquer ajuda.

Como se isso não chegasse, descobri que um quisto que tenho desde que nasci está maior. Vou ter de fazer exames e eventualmente tirar isto. Não penso que seja nada de grave mas quando se junta a idade a questões fà­sicas que sempre estiveram estáveis e de repente deixam de estar, a questão da nossa mortalidade começa a tornar-se difà­cil de ignorar. Especialmente porque isto vem juntar-se a outra questão que está por resolver há mais de um ano, graças a uma ressonância magnética que já pedi em Janeiro de 2012 e ainda não foi marcada.

Não é que esteja assustada porque a ideia de morrer não me assusta particularmente. Faz parte da vida, é inevitável e a única coisa que se pode pedir é  não passar por meses de dor atroz antes do fim. A preocupação passa mais pelos filhos pequenos e eventualmente por aquelas coisas que planeava ainda ter tempo de fazer. E de qualquer forma, até alguém me dizer claramente o contrário, acredito que estou de óptima saúde e que, se seguir o padrão da famà­lia, vou viver até aos 96 anos. Estas pequenas irritações só me assustam ao nà­vel da diminuição das capacidades. Se eu deixo de conseguir ler ou fazer os meus artesanatos fico maluquinha muito rapidamente.

Começar a ver mal ao perto, mais do que as outras questões de saúde ou os primeiros cabelos brancos, fez-me ter um daqueles momentos de clareza em que nos apercebemos que chegámos ao topo da montanha. Não é pensar “estou a morrer” mas sim ter a certeza que chegémos ao  ponto central. Até aqui era eu, em evolução, em crescimento, em potencial. Daqui para a frente é o processo oposto. Começo lentamente a degradar e desfazer-me até não restar nada. Pode demorar mais 40 anos ou 50 mas o processo já começou. O corpo, ao regenerar-se já o faz com falhas no código. Pode soar muito mórbido mas para mim não é. É uma simples constatação da realidade.

Agora resta-me tentar envelhecer da forma mais graciosa possível e aproveitar o tempo o mais eficientemente que conseguir para ver se ainda termino alguns dos meus objectivos. Porque o tempo passa mais depressa do que parece e o corpo prega-nos partidas desagradáveis. Não vale a pena esperar pelo momento perfeito, pelo “um dia destes” em que vamos ter mais tempo ou energia ou paciência. Isso não existe ou já passou e nem demos por ele.

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1 Comment

  1. É a lei da vida mas é tramado 🙂
    Eu sempre vi bem, ao longe e ao perto, de repente fiquei a ver mal ao perto, as letras pequenas.
    E realmente isto dá que pensar…se 40 já passaram e foi tão rápido mesmo que venham mais 40…vai ser num ápice!
    Ui é melhor aproveitar e isto é mesmo conversa de cota 🙂
    Beijinhos

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