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A utopia da anarquia

Há dois ou três dias andou uma dupla de idiotas pela cidade de Almada a pintar nas paredes mensagens anti-voto, assinando com o A de anarquia.

Chamo-lhes idiotas pelas seguintes razões: em primeiro lugar porque a mensagem é inutil. A maior parte dos portugueses está-se nas tintas para o voto, como se pode ver através da análise do número brutal de abstenções que há em todas as eleições. Normalmente a população tem coisas mais importantes para fazer, como ir para a praia.

Votar só se torna uma prioridade nacional quando o governo actual fez uma merda tão grande que não podemos permitir que continuem. Mas depois de uns aninhos com outro governo lá voltam os mesmos gajos outra vez. É uma grande palhaçada porque não é um partido reformulado que regressa mas sim as mesmas pessoas que fizeram asneira antes e que se calhar deviam até estar presas quanto mais continuar em cargos públicos. Quando o Cavaco Silva foi primeiro ministro tornou-se o ser mais odiado do paà­s mas vejam lá se não foi eleito presidente passados uns anos? A memória dos portugueses é muito curta.

Portanto não discordo inteiramente sobre a inutilidade do voto, nem sou contra a ideia de anarquia, pelo menos em teoria porque é uma noção muito complicada de por em prática, mas acho absurdo que se ande a escrever isso pelas paredes, especialmente em conjunto com frases sobre opressão do governo. Opressão no nosso paà­s? Chamar a isto opressão é rir na cara dos paà­ses onde isso existe, onde desaparecem pessoas para nunca mais serem vistas porque exprimiram uma opinião que não é totalmente favorável ao actual là­der, onde são assassinadas dezenas de pessoas diáriamente sem qualquer espécia de represália para os assassinos no poder.

As mensagens de protesto escritas na parede são algo que surge quando a população não tem outra forma de expressar o seu desagrado. No nosso paà­s, porém, continua a existir liberdade de espressão e há imensas formas de expressar opinião – criar um site, distribuir panfletos, usar t-shirts com frases anti seja o que for, comprar espaço num jornal ou revista ou até num canal de televisão. Nada disto é proibido ou castigado e são tudo formas muito mais civilizadas de passar a mensagem, e talvez até mais eficazes.

Uma frase escrita na parede no clima actual não passa de lixo. Eu não sou anti grafiti, que pode ser uma forma de expressão artà­stica válida e estéticamente interessante, mas não assim. Isto não é mais do que estragar pelo simples gozo destrutivo. Os grafitis locais não passam de riscos e assinaturas tipo ‘estive aqui’ como se a cidade não fosse mais do que uma grande casa de banho pública. A cidade tem vindo a renovar-se, os prédios estão todos pintadinhos de novo e agora aparecem estes paspalhos a sujar tudo outra vez.

O pior é que sei que grande parte destes gajos são uns betinhos que só usam roupa da marca x e sapatos da marca y, que nunca lhes faltou nada na vida e a sua ideia de anarquia restringe-se a ‘era porreiro poder fazer tudo o que quero’. A ideia original de anarquia não implica uma ausencia de ordem e de cumprimento de certas regras sociais e de respeito mútuo. É uma ideia utópica, impossivel de implementar, de ausencia de governo hierarquico passando a uma organização social acordada por todos, que não reprima as diferentes formas de pensar e agir. É uma ideia muito interessante mas que só funcionaria em pequenos grupos ou tribos em que toda a gente se conhece e se pode reunir para dialogar. Numa sociedade em que nem conhecemos as pessoas que vivem no mesmo prédio e nas reuniões de condominio ninguém se entende, como é que se chega a acordo sobre coisas importantes?

No fundo os opressores de que se queixam estes idiotas não são os governantes do paà­s, que podem ser uma cambada de ladrões e mentirosos mas que também têm que fazer um trabalho chato e tomar decisões que vão sempre ser impopulares para alguém. O governo hierarquico que oprime estes grafitistas  são o papá e a mamã que não lhes aumentam a mesada.

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12 Comments

  1. “O governo hierarquico que oprime estes grafitistas são o papá e a mamã que não lhes aumentam a mesada.”

    Quero ir para a cama contigo. Agora mesmo.

  2. Cmbelo says:

    Muito bem escrito esse teu texto e focando-se os pontos essenciais… só acrescentaria que esses senhores que hoje se dizem anarquistas, por sentirem que a sua opinião não é tida em conta e por estarem destituídos de poder de decisão, se hipoteticamente num contexto de anarquia sentissem algum poder seriam os primeiros a querer impor as suas ideias sobre os demais e a tornar-se em ditadores… na minha opinião a anarquia rapidamente conduziria a uma ditadura, por ausência de regulação.

    Será por isso, talvez, que as mensagens que esses inergúmenos (potenciais ditadores) pintam nas paredes se podem confundir com mensagens anti-democráticas? A semente está lá desde a mais tenra idade…

  3. Pedro Melo says:

    Simplesmente genial. Não teria eu capacidade (e tempo) para escrever melhor! gostei de ler!

  4. O post está cheio de enganos, contradições e preconceitos, seria melhor informares-te melhor sobre anarquismo e a sua prática antes de comentares.
    Contra-argumentar seria fastidioso, teria que esventrar o texto todo. Deixo apenas uma nota ao comentário do cmbelo: a anarquia não existe para dar o poder aos anarquistas. É óbvio mas pelos vistos é preciso ser dito.

  5. O que é que tens contra a descrição de anarquia que aqui deixei? Sei que é sucinta mas parece-me que ‘ausencia de governo hierarquico passando a uma organização social acordada por todos, que não reprima as diferentes formas de pensar e agir’ é uma forma bastante coerente de explicar a base da ideia e não fala em lado nenhum de passar o poder para quem a defende.

    Achar que esta ideia funcionaria é outra questão mas aí estamos a debater diferenças de opinião e não de conhecimento.

    E achar que não há por aí muitos meninos betinhos armados em anarcas só porque querem ser diferentes é ser muito inocente.

  6. Como eu disse, está quase tudo mal no que escreves. Obviamente conheces uns betinhos que querem ser diferentes e por isso dizem-se anarcas e formaste uma opinião a partir daí. Há muito mais do que isso. Apesar de neste país estarmos reduzidos a poucos e por isso limitados na nossa actividade.

    Dizes que a mensagem contra o voto é inútill porque a abstenção é muito alta. Este argumento não faz sentido. A abstenção é alta mas também há muitos milhares que votam e a mensagem pode dirigir-se a estes.

    Mais à frente dizes que não discordas inteiramente sobre a inutilidade do voto. No entanto chamas de idiotas a quem diz o mesmo escrevendo-o numa parede.

    Depois dizes que não há opressão em Portugal. O que é que isso tem a ver com o voto? Metes isto assim no meio do texto e fica uma salgalhada que não se percebe.

    Mas sobre a opressão dizes que ela não existe por haverem países onde a opressão é muito mais grave. Bem, sendo assim, não se pode dizer que existe opressão, por exemplo, em Marrocos, porque na Coreia do Norte ela é muito maior. Por essa ordem de ideias a Aminetu Haidar devia ficar caladinha em respeito pelo sofrimento dos norte-coreanos.

    Depois é a tirada sobre as pinturas na parede surgirem apenas quando não há outras formas de expressão. Mas onde foste buscar tal ideia? Desde sempre se fez propaganda nas paredes por diversos motivos. Já reparaste que à maior parte das pessoas a mensagem só lhes chega se estiver escrita numa parede por onde costumem passar? Porque muita gente não lê sites e blogs na internet, e se lerem muito poucos vão parar aos que têm ideias anarquistas. Já viste na televisão ou nos jornais os anarquistas a darem a sua opinião? Quando se fala em anarquia é para deturpar e criminalizar e nunca é pela voz dos próprios. Depois formam-se estas opiniões como a tua baseada em preconceitos e falsidades.

    Mas voltando às opressões. Sabes quantos pobres há em Portugal? Excluídos, marginalizados, sem-papéis, desempregados, trabalhadores quem não ganham o suficiente, trabalhadores que dão cabo da saúde para benefício de alguns, e por aí adiante? Não ter oportunidades de viver dignamente é opressão. Sabes que apesar de vivermos numa sociedade de hiper-abundância existe tudo isto no nosso país. E sabes que o que sustenta esta abundância de quinquilharias e excessos está a matar muita gente no hemisfério sul? Isto também é opressão. O capitalismo e a democracia parlamentar não estão a funcionar. Matam muita gente, empobrecem muita gente, criam desigualdades gritantes. Nunca houve tanta fome, tanta escravatura, uma crise ecológica e social tão grande. Pois é, estamos num mundo globalizado. O que aqui temos de abundância, apesar da miséria, tem custos noutros sítios.

    Isto já vai longo e não vou continuar a dissecar o texto. A minha intenção não é atacar-te, mas mostrar que as coisas não são bem assim como dizes no post, espero que tenhas compreendido isso.

  7. Aquilo que leio no teu comentário é que se alguém tem uma opinião diferente da tua é automáticamente ignorante. Quanto a isso não há argumentos que valha a pena dar.

    Falas de contradições e erros mas o que leio é falta de compreensão do que foi escrito, porque contradiz o que pensas, diferenças de opinião e de conceitos e nada mais.

    Formar uma opinião e andar a esgravatá-la na parede são coisas distintas. E as opiniões de toda a gente são formadas em preconceitos, incluindo as tuas. Ninguém está impedido de comprar publicidade nos media e ter assim as suas ideias expostas. Isso inclui, por exemplo, cartazes de rua. Não é preciso andar a sujar a cidade só para dizer ‘eu penso assim e também devias pensar como eu’.

    Quanto à opressão, obviamente as nossas ideias do que consiste opressão são muito diferentes. A existencia de probreza não é só por si sinal de opressão. O facto de existirem leis e regras sociais para que as pessoas tenham um incentivo para se comportarem de forma civilizada não é o mesmo que opressão. Já tivemos opressão neste país, durante a ditadura e mesmo assim a maior parte dos país nem parecia incomodar-se muito com isso até aparecer uma guerra estúpida. As pessoas gostam de regras e de não ter que pensar ou decidir nada. E não é uma mensagem na parede que de repente lhes vai abrir os olhos. Confundir questões sociais e económicas, que obviamente podem e devem ser melhoradas com um sistema político opressivo é um argumento falso e altamente exagerado. Não é ‘não votar’ que vai acabar com a pobreza e tornar tudo lindo e perfeito de repente. Ninguém acredita que a democracia é perfeita e ainda bem que há idealistas que acreditam num mundo melhor mas não há nenhuma sociedade de igualdade que resolva todos os problemas sociais e económicos porque há sempre ganancia, inveja, indiferença e crueldade – são características humanas e não fruto de um sistema político e negar isso é enterrar a cabeça na areia.

  8. Essa história de que são opiniões é uma treta. Há opiniões e há factos, os factos não mudam conforme a pessoa que os conhece ou observa. E tu estás a agarrar-te aos teus preconceitos para não veres os factos. A prova disso é que não contradisseste os meus argumentos, os erros que te apontei, apenas voltaste a formular as tuas opiniões.

    Comprar publicidade nos media? Deves querer dizer propaganda, não? Os media cumprem o seu papel de formação de opiniões, achas que os donos dos media iam aceitar que os atacassem? Não sabes que as opiniões incómodas são eliminadas? E isso acontece com comentadores bem comportados imagina o tempo que durava um anarquista numa televisão ou num jornal… Não. Não é assim que as coisas se passam. E repara que me refiro a factos, a uma estratégia que é seguida de forma bastante consistente e eficaz pela indústria da informação. Muitos estudos e muitos casos conhecidos mostram que os medias são fechados à dissidência. Isto são factos, não é a minha opinião.

    Quanto aos cartazes de rua até acho engraçado que os refiras. Os cartazes de rua são tão mal vistos pela opinião dominante conforme à lei e à ordem como as pintadas. E de qualquer forma os anarquistas também colam cartazes frequentemente.

    Resta-te o argumento de que achas feio, que suja. Isso sim, é uma opinião, tens direito a ela. Mas repara que a importância da mensagem para os anarquistas justifica perfeitamente qualquer questão estética. Pela mesma razão que as pintadas no tempo da ditadura faziam sentido para os antifascistas e eram mal vistas pelo regime.

    Sobre a questão da opressão, divagas bastante, vais inclusive buscar o velho e falso argumento da “natureza humana”. Então o que é a pobreza e a alienação senão opressão? É o acaso que faz a pobreza? A natureza humana? É culpa dos pobres serem pobres? Não, é o fruto do sistema político-económico em que vivemos. Não pretendas separar o político do económico porque eles estão totalmente relacionados. A política serve para organizar a sociedade e permitir o bem-estar de todos. Pois o bem-estar que conseguimos é ficar dependentes de anti-depressivos, trabalhar, trabalhar, trabalhar, e a dar o grosso do fruto do nosso trabalho a um felizardo qualquer, alienarmo-nos em tarefas sem sentido como passear num shopping a ver montras, reduzir a nossa existência a uma infindável fila de trânsito, a estar longe dos que gostamos, a consumir música, filmes de merda feitos em série, a comer porcarias e a ficar obesos, a desesperar em burocracia. Isto é a vida do indivíduo comum hoje em dia, e é cada vez mais para isto que caminhamos. É um sistema político-económico altamente opressivo para a vida, todo o tipo de vida, não só a humana. O que acontece é que alguns dizem não a isto e revoltam-se. Sonham com alguma coisa melhor. Acabar com os tiranos que acumulam as riquezas que todos produzem. Outros, acomodam-se, inventam desculpas, auto-justificam-se para enganar a consciência.

    Achas que uma pintada não muda nada? Uma pintada bem feita pode partir muita pedra. Vi uma que dizia: “Poupe água. Precisamos dela para os nossos campos de golfe”. É o suficiente para por muita gente a pensar naquilo durante muito tempo.

    Essa pintada desses dois “idiotas” teve um efeito semelhante em ti. Pôs-te a pensar nisso, obrigou-te a estruturar os teus argumentos para este post, argumentos esses que ficaram visíveis a quem quer que por aqui passe e os possa contradizer.

  9. help, help, I’m being repressed!
    Yawn.

  10. Epá, já sabia que ia dar nisto. Culpa minha.

  11. O que é que estavas à espera? Uma conversão milagrosa?
    É inútil perder o meu tempo a discutir com um detentor da verdade absoluta para quem qualquer opinião contraditória à sua visão do mundo é caracterizada como uma falsidade baseada em preconceito, que desvia todos os argumentos para o tema dos coitadinhos dos pobrezinhos para poder ver o seu opositor como o ‘mau’, evitar os tópicos que não lhe interessa discutir e levar a conversa para a sua zona de conforto onde pode fazer longos discursos self-righteous. É o mesmo que discutir deus com um fanático religioso.
    Tenho mais que fazer do que continuar a dar tempo de antena a um gajo que não faz mais do que dizer mal de tudo e de todos sem qualquer espécie de alternativa ou solução a não ser a defesa rídicula de que pintar nas paredes é uma forma legítima de combater a pobreza. Deitar abaixo toda a gente sabe fazer.

  12. Não imagina o quanto me ajudou num trabalho de descrição de imagem, obrigada por isso (:

    Gostei imenso do texto (:

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