Blog

Mais um post sobre o Magalhães

Já muito se disse sobre o assunto que é o novo computador Magalhães, uma iniciativa que tem como objectivo a produção e distribuição de computadores portáteis a um baixo preço para crianças do 1º ciclo. Mas muito do que tenho lido é uma absurdidade tal que não resisti a exprimir a minha opinião, insignificante como ela possa ser. Aviso já que vai ser um post longo.

Quando ouvi falar do assunto pela primeira vez a reacção que tive foi de incredulidade sobre o facto de existir uma iniciativa deste tipo em Portugal. Como Portuguesa estou tão habituada a ser confrontada com a parte negativa do paà­s, da polà­tica e das condições de vida em geral quando comparadas com outros paà­ses europeus que parece quase irreal quando aparece uma iniciativa positiva e louvável e saber que existiu perseverança suficiente para a por em prática em vez de se ficar pelo projecto, como estamos tão habituados a que aconteça.

Como muitos outros portugueses, sou das primeiras a apontar os defeitos que o nosso paà­s tem. Os polà­ticos são na generalidade de pouca confiança e fico pasmada quando me apercebo que é considerado perfeitamente aceitável e normal que polà­ticos que cometem as maiores ilegalidades passados poucos meses estão novamente a candidatar-se para cargos públicos em vez de estarem simplesmente presos. Não acho que o Estado deva ser considerado uma alternativa porreira a ter um emprego mas somos obrigados a pagar segurança social e no entanto as reformas são baixas e demoram uma eternidade a ser pagas pela primeira vez, o dinheiro é mal gerido, há pessoas a aproveitar-se do sistema, etc. O sistema de trabalhadores a recibos verdes é uma vergonha porque os descontos são fixos em vez de serem relativos ao vencimento, os anos de trabalho não contam para a reforma apesar da obrigatoriedade do pagamento da taxa fixa de segurança social e muitos trabalhadores ‘independentes’ são na verdade empregados sem contrato descartáveis porque assim podem ser despedidos em qualquer altura mas não têm direito a subsidio de desemprego. O IVA é um roubo, o pagamento especial por conta das empresas é um imposto mà­nimo, não devolvido que leva muitas empresas em dificuldades à  falência mais depressa. Enfim, o nosso paà­s tem muitos podres.

No entanto, quando um governo – qualquer governo: não tenho afiliações partidárias – toma uma iniciativa que me parece positiva não vou dizer mal só porque é o governo. Acho que essa atitude é destrutiva e estúpida e reflecte uma coisa muito grave que é a incapacidade que algumas pessoas têm de pensar por si próprias e avaliar cada situação pelos seus méritos em vez de meter tudo no mesmo saco.

Assim sendo, pareceu-me que a iniciativa da criação do Magalhães seria algo positivo. Já li muitas opiniões sobre o assunto, muitas delas negativas e parece-me que há muita gente está a falhar o alvo com as suas crà­ticas ao projecto. Para mim aquilo que parece importante é que hoje em dia não faz sentido ter crianças que nunca mexeram num computador. A tecnologia existe e já é parte do nosso dia a dia. O uso do computador pessoal começou a tornar-se mais usual quando eu andava na faculdade e desde então tornou-se algo corriqueiro. A evolução a nà­vel do hardware, software e propagação da internet tem sido extremamente rápida e muitas profissões já necessitam de um conhecimento básico de utilização do computador, nem que seja para escrever uma carta no Word e mandar imprimir. Considerando que acabei a faculdade há 10 anos, e que já ninguém usa disquetes e até o CD se começa a tornar uma coisa do passado, imaginem como será daqui a mais 10 ou 20 anos, quando as crianças que estão agora a entrar para a escola tiverem que procurar emprego.

Hoje em dia ter acesso a um computador é tão importante como ter acesso a um lápis. Infelizmente, apesar dos preços para um computador médio terem descido bastante nos últimos anos, continuam a ser máquinas caras mas o valor que tenho visto para o Magalhães é de 50 euros. Assim sendo, a criação de computadores baratos que permitam o acesso aos mesmos a um maior número de famà­lias é uma iniciativa bastante positiva.

Compreendo que há muitas famà­lias para quem esses 50 euros continuam a ser verdadeiramente proibitivos (porque isso acontecerá sempre, seja qual for o valor acima de zero) mas mesmo assim já cobre uma fatia bastante mais larga da população que de outra forma não teria qualquer hipótese de proporcionar aos seus filhos o acesso a um computador. E para mim a questão central é que este tipo de iniciativas permitem que algumas crianças com inteligência e potencial mas cujas famà­lias não têm a possibilidade financeira de gastar 300 euros num computador se possam desenvolver ou pelo menos ter a capacidade de se desenvolver e aprender ao mesmo nà­vel que os seus colegas com mais liquidez.

Mas para além dos miúdos que não têm dinheiro também há outros sem computador simplesmente porque os pais não percebem para que é que aquilo serve, porque são de uma geração que passou grande parte da sua vida sem computadores e o seu emprego nunca o exigiu e é natural que se tenha medo e desconfiança daquilo que não se conhece. Mas impedir as crianças de começarem cedo a interagir com os computadores é colocá-las em desvantagem e limitar-lhes as possibilidades para o futuro.

Quem tem crianças deve saber que se vendem umas coisas tipo computador de brincar com uns ecrans minúsculos para miúdos a partir dos 3 anos que têm uns joguinhos para os ajudar a aprender palavras e números. Ora estes computadores de brincar custam entre 35 e 40 euros. O valor que tenho visto para o Magalhães é de 50 euros e estamos a falar de um computador a sério. Se um computador custa quase o mesmo que um brinquedo talvez deixe de ser visto como uma ameaça tão grande.

Não defendo aqui que uma criança + um computador seja necessariamente igual a mais conhecimento, mais inteligência, mais hipótese de arranjar um bom emprego no futuro. Seja qual for o acesso a tecnologia ou educação, há crianças com mais e menos capacidades e sempre haverá. Uns vão usar as possibilidades e outros vão desperdiçá-las. Mas o acesso é importante. Sem acesso não há possibilidade de aprendizagem.

O meu irmão, que hoje em dia é programador e dono de uma empresa bastante bem sucedida, aprendeu a programar Basic no seu Spectrum quando era ainda muito pequeno. Se não tivesse tido esse acesso sabe-se lá o que estaria a fazer hoje. E como ele há vários casos de pessoas que por sorte tiveram acesso a computadores, instrumentos musicais e outros objectos didácticos e criativos na idade certa para desenvolver qualidades e potencialidades. E quem sabe o que as crianças que agora têm acesso a este program podem vir a fazer no futuro? Do meu ponto de vista, basta uma criança em 100 conseguir ir além do que lhe estaria destinado para valer a pena. Compreendo que este tipo de conversa não tem credibilidade a nà­vel financeiro e que há todo um investimento monetário que provém dos nossos impostos, etc, a ter em consideração mas sinceramente prefiro que o dinheiro seja gasto em projectos deste tipo, que são positivos, do que ir só para as despesas do costume que incluem grandes carrões para os ministros por exemplo. Pelo menos é um passo na direcção certa que é apostar nos nossos futuros cidadãos em vez de se limitar a sugá-los.

Vejo muita gente a dizer ‘ah, mas as crianças vão usar os computadores para jogar’. Eu pergunto, e então? Isso faz-lhes algum mal? A ideia é aprender a usar a máquina, que por sinal serve para muita coisa. Jogar não faz mal nenhum à s crianças, aliás, muito pelo contrário. Os jogos de computador estimulam a inteligência e a coordenação motora e são divertidos. Não vejo onde possa estar o mal. É claro que as crianças não devem passar os dias inteiros a jogar tal como não devem passar os dias inteiros a ver televisão, mas é para isso que servem os pais.

O que me leva à  questão do controlo parental. Compreendo que ainda há muitos pais que nunca viram um computador à  frente e como tal não fazem ideia de como ligar ou desligar o controlo parental dos computadores. Não sei se aquilo vem com um manual de instruções que fale sobre isso ou se há alguém a quem perguntar no sí­tio onde se compra o computador. No entanto é da responsabilidade dos pais descobrir, informar-se sobre o produto, o que faz, o que não faz, antes de o entregar à  criança. É um bocado como retirar os atilhos e o plástico dos brinquedos antes de deixar os miúdos brincar, é a única forma responsável de gerir qualquer objecto que seja manipulado pelos nossos filhos. Esquivar-se a essa responsabilidade dizendo que aquilo já devia vir ligado é dar ao Estado mais poder de censura do que eu considero legà­timo, é dizer que nos podem tirar as liberdades que quiserem porque somos parvinhos e não temos capacidade para decidir por nós próprios. E é mais uma razão para as nossas crianças começarem já a usar computadores – para não passarem por humilhações dessas quando chegar a vez deles.

You may also like...

3 Comments

  1. Susana says:

    Li e gostei do que li, concordo contigo na maneira como exposeste a ideia do computador. Os computadores não podem ser usados para retirar a responsabilidade dos pais ou quem é encarregue da educação das crianças, de «fiscalizar» o uso da informação. Terá de ser com moderação o uso dos computadores, porque sei de pessoas de 20 anos e com graves problemas de expressão escrita, graves problemas de ortografia e caligrafia, porque usam demasiado o teclado. E isso faz me muita confusão. Houve um tempo que quis comprar um pda e faze-lo uma agenda pessoal, mas quase ao mesmo tempo verifiquei ter dificuldades já em escrever devido ao uso intenso do teclado, tanto que comprei um filofax em papel onde escrevo as minhas coisas. Assim uso igualmente o teclado, mas ando com a agenda para todo o lado. Comigo foi assim, será que acontece o mesmo com o resto das pessoas? Não sei bem, no entanto, queria partilhar esta minha opinião.Obrigada

  2. Linkinn says:

    Bons dias, concordo com quase tudo o que foi dito, mas nem tudo são mares de rosa, nem tudo é positivo no Magalhães.
    Existem coisas verdadeiramente negativas, e estas ainda estão para vir, questões relacionadas com saúde, exclusão social, entre outras coisas, poderão chamar-me de pessimista, mas vejo a juventude dos nossos filhos cada vez mais comprometida.
    Qualquer dia (se já não o é assim), vamos ter os nossos filhos com 10 anos a irem de telemóvel e portátil para a escola, e sem saber bem para que serve um papel e uma caneta. O novo Magalhães 2 vem a caminho, ainda o primeiro não esta disponível para todos e já vem um novo a caminho, mais bonito, já com caneta digital etc etc etc… Já se sabe bem o que vai acontecer.

  3. Linkinn, o que dizes é um exagero brutal.
    Não me espanta que daqui a umas gerações já ninguém saiba o que é papel e caneta, tal como já não usamos papiro e penas. As coisas evoluem,. é mesmo assim. No entanto, estar a culpar um projecto destes por tal futuro é estar a dar-lhe muito mais importancia e impacto do que este tem.
    As crianças de famílias com dinheiro para tal já têm todas computadores em casa de qualquer forma. Já não se vive sem um. Aquilo que me parece é que anda por aí muita gente com medo da facilidade de comunicação e de partilha de informação, algo que não consigo compreender. Ter acesso a mais não faz mal nenhum.
    A questão volta sempre ao mesmo: os pais precisam de se responsabilizar pela educação dos filhos e deixar de culpar os professores, a tecnologia, o primeiro ministro e o aquecimento global por tudo o que não conseguem controlar.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.